Entra a máscara de proteção, cai a da hipocrisia*.
Continuo
diariamente indo trabalhar no condomínio comercial do qual sou síndico, que é
integralmente formado por empresas da área de saúde. Importante para manter a
moral da tropa em alta, com tanta instabilidade e incertezas.
O Distrito
Federal foi a primeira unidade da federação a impor medidas de restrição às
atividades comerciais. Desde o primeiro dia do anúncio, programamos no
condomínio medidas operacionais e de redução de custos que terão reflexos nos
próximos meses, inclusive com a diminuição do quadro de colaboradores. Ao mesmo
tempo projetamos que a inadimplência iria crescer. Em que pese o fechamento
temporário de algumas empresas, as atividades operacionais do condomínio são
essenciais e, portanto, permaneceram em funcionamento. Dentre eles, estão os serviços
de portaria, limpeza de áreas comuns, recolhimento de lixo comum e hospitalar,
segurança, manutenção de máquinas e equipamentos e parte administrativa.
Várias são
as instruções e recomendações dadas ao longo da atual pandemia, que muitas
vezes são conflitantes entre si: Use álcool em gel nas mãos, mas cuidado ao
cozinhar. É grave a doença. É uma gripezinha. Viva o político X! Derrubem o Z!
Hospitais estão abarrotados! Não estão vazios! Eleve a taxa de condomínio para aumentar
a intensidade e frequência das limpezas e poder arcar com a compra de novos
produtos de proteção e procedimentos de desinfecção e faxina em
conformidade com a nova legislação local aprovada às pressas. Reduza a taxa para compensar a diminuição de atividades
econômicas e conter focos de revoltas populares. Fique em casa! Queremos voltar
ao trabalho! Muitos dilemas.
Em outros
condomínios, os descolados apartamentos dormitórios de 20(vinte) m2, com grandes
áreas de lazer, de uma hora para outra viram o local onde muitos passam
integralmente sua vida pessoal e profissional. Esqueça a academia, a piscina e
os pontos de convivência, pois estes estão fechados. Decisões acertadas do
judiciário proibiram obras não essenciais em respeito aos vizinhos em isolamento
social que estavam tendo que conviver com o barulho e sujeira. No entanto,
muitos acham que a sua obra sim, deve seguir. Por outro lado, um apartamento grande
pode se tornar um estorvo em razão de seu alto custo de manutenção e diminuição
dos trabalhadores de apoio. Famílias felizes, em convivência constante, passaram
a ser palco de conflitos. Baixo equilíbrio emocional. O vizinho que sempre esbanjou
suas viagens nas mídias sociais e seu carrão do ano na garagem não se planejou
financeiramente para um curto (ou indefinido) período de dificuldades, reflexo
de reduzida educação financeira.
Especialistas
em condomínios: arquitetos, síndicos, corretores de imóveis, advogados,
contadores, engenheiros também entraram na moda das “lives” promovidas por artistas.
Manuais gratuitos diversos sobre limpeza, direito, dicas para home-office,
atividade física em casa, finanças, bricolagem etc foram produzidos. Grande
parte de alta qualidade e de utilidade pública. Alguns poucos só autopromoção.
Grupos em whatsapp pegando fogo. Tanto material, tanto conteúdo que devemos
selecionar bem o que assistir ou ler.
Em
nosso prédio, aproveitamos o fluxo menor de pessoas e carros, para promover
manutenções estruturais, demarcações de vagas externas e limpeza de vidros
internos- além de outras ações. No que
tange o pagamento de taxas ordinárias, informamos aos que procuraram a
administração do condomínio, ou nossa contabilidade (apesar da total falta de
poder legal da empresa para ingerências diretas no tema) que os síndicos
ou síndicas, NÃO têm autonomia para baixar/aumentar as taxas baseado em índices
econômicos ou redução/avanço de atividades comerciais “por uma canetada”. Estas
mudanças requerem a realização de assembleia. Boa parte foi compreensiva, e
pontualmente colocações desagradáveis foram feitas, cabendo a nós (condomínio)
empatia em momento único de dificuldade e falta de esperança. Pessoas que nunca
se manifestaram sobre qualquer tema interagem em busca de ajuda ou clamando por
providências imediatas. Leis recentemente aprovadas no tocante a condomínios em
suma, autorizam limitar acessos e fechar áreas de lazer e equipamentos
para evitar a disseminação da atual pandemia.
A
taxa de condomínio não pode ser reduzida mediante negociação, como ocorre no caso
de aluguéis. Frequentemente, ouço reclamações genéricas de que a taxa está alta,
que há outro condomínio com taxa mais barata ou que as despesas devem ser
reduzidas. As cotas condominiais são basicamente a soma da previsão de despesas
daquele empreendimento dividida pela fração ideal dos
apartamentos/casas/salas/vagas autônomas, reservando uma pequena parte do valor
para imprevistos. Aspectos diversos compõem a estrutura de custos e receitas: tempo
da construção (e sua respectiva manutenção com o envelhecimento da edificação),
quantidade de elevadores, gás e água inclusos ou não, quantidade de
funcionários, gerador de energia, demandas judiciais, rendas extraordinárias
com aluguéis de depósitos, área de lazer, vagas de garagem, antenas de
telefonia, reuso de água de torneiras e chuva, geração de energia solar, promoção
de eventos dentre outros. A quantidade de unidades para dividir a conta é
relevante também. Ouvi que determinados empreendimentos no DF conseguiram
reduzir em 50% as taxas. Qual é a realidade financeira daquele prédio? É de
fato um condomínio ou complexo comercial de um único dono como são os
Shoppings? Seu síndico tomou a decisão amparada pelo quê? Destinou um fundo de
obras formado durante anos para pagamento de taxas ordinárias? Tecnicamente pode
haver erros graves.
O maior desafio dos gestores condominiais na minha visão é manter a
serenidade e profissionalismo com tantas novas variáveis. Finalizo,
com a certeza, de que à medida que os trabalhadores, clientes e pacientes voltem
a frequentar nossas dependências encontrarão um cenário melhor que em sua
última visita.
*Marcelo Sicoli - Síndico do
Centro Clínico Sudoeste(Brasília-DF),
premiado no Brasil e no exterior. Consultor internacional e corretor de
imóveis (CRECI-DF 20576). Conselheiro do
CRECI-DF e Sindimóveis-DF. E-mail: sindicoccs@outlook.com Whatsapp: (61)98250-8656