Especialistas comentam desafios da adaptação de moradores às restrições de uso das áreas comuns em condomínios
O isolamento social afetou em cheio quem divide com outras famílias o espaço onde vive. Piscinas, salões de festa, quadras esportivas, entre outros espaços das áreas comuns passaram a ficar interditados e as restrições ao uso de alguns desses itens despertou dúvidas.
A publicitária Vanessa de Moraes (31), por exemplo, mora em um condomínio de apartamentos com 3 torres. O espaço externo é grande e ela pensou que pudesse correr em volta dos blocos de apartamentos para se exercitar durante a quarentena, mas ficou surpresa ao saber que isso não seria possível.
“Eu comecei a dar a corridinha quando vi algumas pessoas me hostilizando das sacadas. Fiquei muito envergonhada, porque jamais descumpri o isolamento, estou somente em casa há meses, não queria expor ninguém e nem a mim”, revelou Vanessa.
Nas buscas pela internet, o que não faltam são questionamentos do tipo “os síndicos podem fechar áreas sociais?”, “condôminos podem fazer festas, reuniões familiares e receber convidados nas unidades?”, entre outros. Diante de tantas dúvidas, O Imparcial conversou com a advogada Amanda Lobão, especialista em mercado condominial.
Síndico: função ingrata
Advogada Amanda Lobão
A advogada explica que os síndicos podem sim fazer restrições dessa natureza e que essa regra, aliás, é estabelecida por lei. “A lei estabelece que cabe ao síndico zelar pela salubridade e prestação de serviços nas áreas comuns, bem como cabe ao condômino dar às partes o uso sem prejuízo à saúde, segurança e sossego. Assim, diante das recomendações das autoridades sanitárias, é legítima e válida a restrição”, detalha.
Em geral, por ser um fiscalizador das regras para o bom convívio nos condomínios, os síndicos são antipatizados por muitos moradores. Mas quando os condôminos compreendem as normas e as seguem, não costuma haver nenhum tipo de problema.
O propagandista de medicamentos, Gustavo Ramos, mora com a esposa e três filhos em um condômino de São Luís. Ele conta que, desde o início da pandemia, a rotina do lugar onde mora mudou completamente. “As áreas de lazer foram interditadas, uso obrigatório de máscaras, utilização de álcool em gel na entrada dos elevadores, instalação de pias na entrada do condomínio com sabão à disposição para lavar as mãos, e somente uma família por vez pode usar o elevador”, compartilha.
Gustavo Ramos mora com a esposa e três filhos em um condômino de São Luís.
Os desafios da adaptação
Adaptar a vida em condomínio às restrições impostas pela pandemia tem sido um verdadeiro desafio para quem administra esses locais. Mário Tullio é empresário do ramo; a empresa dele atua em administração de condomínios residenciais (verticais, horizontais e conceito clube), comerciais, mistos, terceirização de mão de obra e portaria remota. Por lá, são administrados atualmente mais de 70 condomínios na capital maranhense, incluindo a região metropolitana.
O empresário afirma que é grande a preocupação com a higiene para evitar a contaminação. “As rotinas de limpeza foram intensificadas, pois trata-se de um local por onde várias famílias, empregados e prestadores de serviço estão constantemente transitando, e se expondo à contaminação pelo ar, nos elevadores, maçanetas, corrimãos, etc.”, comenta Mário.
Empresário Mário Tulio
Diante do cenário, Mário Túlio destaca que a empresa administradora de condomínios precisou até mesmo fazer um treinamento específico com a equipe de supervisão, para orientar todos os nossos zeladores sobre a mais adequada forma de higienizar e interagir com os condôminos. Além disso, o empresário ressalta o necessário suporte jurídico para atualizar com frequência cada nova regra determinada. “Isso garante uma revisão mais detalhada dos decretos oficiais, assim, passamos as orientações corretas aos síndicos e condôminos em geral”, enfatiza.
Direito à informação x Preconceito
O propagandista Gustavo conta que, apesar de todos os cuidados que sempre tomou, contraiu a Covid-19, e chegou a sofrer preconceito por parte de alguns vizinhos, situação bastante constrangedora.
A advogada Amanda Lobão esclarece que é um direito dos moradores ter conhecimento sobre casos da doença no lugar onde vivem, porém, há uma forma ideal para isso.
“O síndico deve informar aos demais moradores a existência da situação, mas jamais divulgar os dados pessoais de quem foi infectado [nome, idade, unidade], de modo a não violar os direitos morais do indivíduo acometido pela doença”, pontua.
Privacidade
Síndicos e administradoras de condomínios não podem invadir a privacidade de nenhum morador, mas podem sim intervir na realização de festas, por exemplo, caso seja preciso.
A jurista explica que um Projeto de Lei (PL 1.179/20), em tramitação no Congresso Nacional, deve trazer um reforço a essa atuação, apesar de não existir na atual legislação dispositivo que proíba o síndico de limitar o ingresso de pessoas nas unidades (que são áreas exclusivas).
“O síndico pode restringir ou proibir a realização de reuniões e festividades e o uso dos abrigos de veículos por terceiros, inclusive nas áreas de propriedade exclusiva dos condôminos, como medida provisoriamente necessária para evitar a propagação do coronavírus (Covid-19), vedada qualquer restrição ao uso exclusivo pelos condôminos e pelo possuidor de direito de cada unidade”.
Penalidades
A legislação também garante ao administrador multar condôminos que descumprirem medidas de higiene. “Sim, é permitido, desde que seja dada ciência aos moradores sobre a obrigatoriedade do uso da máscara nas áreas comuns antes da aplicação da multa, pois as decisões [municipais, estaduais e federais] levam em conta o uso do equipamento de proteção em espaços públicos”, reforça Amanda, que sugere sempre o diálogo como forma mais assertiva para a resolução de conflitos.
“Deve-se dar preferência ao diálogo, notificando o morador que se recusa a seguir as normas, aplicando eventual multa apenas de forma excepcionalíssima”, indica a advogada.
Paciência também é a qualidade que o administrador Mário Túlio aponta como essencial nesses momentos. “O desgaste é constante, a vida condominial exige muita paciência entre todos, moradores, síndicos e conselheiros. No início da pandemia, muitos condôminos não estavam entendendo a necessidade da interdição das áreas comuns, principalmente das academias. Tivemos problemas com mudanças, prestadores de serviços não essenciais que foram barrados, proibição da entrada de delivery”, ilustra Mário.
O especialista cita, ainda, o Direito de Vizinhança (Art. 1.336 do Código Civil), que determina ser dever do condômino não prejudicar a saúde dos demais. “E no Art. 1.348, o Código Civil determina as competências do síndico, sendo importante reforçar que ele representa ativa e passivamente o condomínio, praticando, em juízo ou fora dele, os atos necessários à defesa dos interesses comuns e deve diligenciar a conservação e a guarda das partes comuns, além de zelar pela prestação dos serviços que interessam aos possuidores”, finaliza o empresário.
Nem tudo é problema
O propagandista Gustavo lembra do quanto as novas regras geraram desgastes com administradores e até mesmo com vizinhos no condomínio onde vive. “Não poder descer e utilizar todos os espaços, ter que esperar por mais tempo a liberação do elevador… Mas, se por um lado houve desgastes, por outro, também existem bons momentos”, pondera.
No residencial onde mora com a família, Gustavo e os vizinhos já tiveram a oportunidade de assistir a um show de saxofone por três vezes.
Ou seja: tudo é uma questão de consciência. Com cada um fazendo a sua parte, inclusive auxiliando os síndicos e funcionários no cumprimento das normas, a vida em condomínio pode ser mais tranquila e agradável do que se imagina.
Fonte: O Imparcial.